As crianças selvagens
“Nas regiões da Índia, onde os casos de crianças-lobos foram relativamente numerosos, descobriram-se, em 1920, duas meninas – Amala e Kamala de Midnapore – que viviam numa família de lobos. A primeira, a mais nova, morreu um ano depois; a segunda, que deveria ter uns oito anos, viveu até fins de 1929. Segundo a descrição do reverendo Singh, que as recolheu, elas nada tinham de humano, e o seu comportamento era exactamente semelhante ao dos pequenos lobos, seus irmãos: incapazes de permanecerem de pé, caminhavam a quatro patas, apoiadas nos cotovelos e nos joelhos para percorrerem pequenos trajectos e apoiadas nas mãos e nos pés quando o trajecto era longo e rápido; apenas se alimentavam de carne fresca ou putrefacta, comiam e bebiam como os animais, acocoradas, com a cabeça lançada para a frente, sorvendo os líquidos com a língua. Passavam o dia escondidas e prostradas, à sombra; de noite, pelo contrário, eram activas e davam saltos, tentavam fugir e uivavam, realmente como os lobos. Nunca choravam ou riam, característica que se encontra em todas as crianças selvagens. Reintegrada na sociedade do Homens onde viveu oito anos, Kamala humaniza-se lentamente, mas, note-se, sem nunca recuperar o atraso: passaram seis anos antes de conseguir caminhar na posição erecta. Na altura da morte apenas dispõe de umas cinquenta palavras. Contudo, se esses progressos são lentos, são também contínuos e realizam-se simultaneamente em todos os sectores da sua personalidade. Surgem atitudes afectivas: Kamala chora, pela primeira vez, quando morre a irmã, torna-se pouco a pouco, capaz de sentir afeições pelas pessoas que cuidam dela, especialmente pela senhora Singh; sorri quando lhe falam. A sua inteligência desperta também; consegue comunicar com as outras pessoas, por meio de gestos, gradualmente reforçados com algumas palavras simples de um vocabulário rudimentar; consegue compreender e executar ordens simples, etc. No entanto, a dar critério a outro observador, o bispo Pakenham Walsh, que viu Kamala seis anos depois de ser encontrada, a criança não tomava qualquer iniciativa de contacto, nunca utilizava espontaneamente as palavras que aprendera e, especialmente, mergulhava numa atitude de indiferança total, mal as pessoas deixavam de a solicitar.”
REYMOND-RIVER, B., O Desenvolvimento Social da criança e do Adolescente, Aster, 1977, pp 11-12
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